Os tambores rufam, o silêncio paira no ar, o espetáculo está para se iniciar:
Tudo calmo sereno....... ao fundo ouve-se uma voz:
-------Isto está parecendo mais um espetáculo medieval de grande porte, onde os grande acontecimentos eram anunciados com trombetas e tambores.
-------Exclama ! mais parece a chegada do Anjo Gabriel anunciando o nascimento de Jesus .
-------Cala boca Hemengarda!
Começa o show da vida!
O silêncio era total, uma paz avassaladora. Na penumbra da noite podia-se observar a planície rasa onde se encontrava a cidade, cercada pelas montanhas, havia poucas árvores apenas um rio que atravessava a cidade, e um amontoado de casas pobres muito pobres, casa simples, as vezes até rude pela sua simplicidade, não havia emoção, apenas casas, casa poucas casas.
Era noite não estrelada, sentia-se a tranquilidade de uma escuridão quase sem fim. Pouco se via. Somente podia sentir-se o imenso horizonte. O vento soprava forte como rajadas de balas cortando e destroçando tudo a sua frente. A estrada reta perdendo ás vezes sua suavidade pelas possíveis curvas encontradas ao longo.
Aos poucos essa paz essa tranquilidade começa por se quebrar, um novo dia surge e com ele surge uma nova esperança, uma nova ideia, uma nova revolução, uma nova transformação
Os atores da vida surgem um a um, mas todos tem uma preocupação que é de correr,correr, correr e assim pouco a pouco, vão se dilacerando, vão esmigalhando aquele silêncio que outrora fora mortal.
Todos esquecido da beleza úmida e rutilante da paisagem que os cerca. Não foram preparados para senti-la com amor ávido de exotismo, poucos se orgulhavam de saber apreciar a paisagem com mais finura , mais amor, mais sentimento, talvez sendo até incapaz de perceber o que se passava ao seu redor..
Esquecido da natureza, do amor, da contemplação, da observação, do sentimento que todo ser possue, mas pelas circunstâncias pela vida rude e difícil nem conseguem perceber a beleza que os rodeia, todos tem uma preocupação que é correr, correr, correr....... e a medida que apressam seus passos, o furor aumenta, o barulho se torna ensurdecedor, e a tranquilidade acaba por morrer.
Novamente Hemengarda se pronuncia:
--------Por que essas pessoas correm tanto, para onde vão, o que vão buscar, o que procuram, o que trazem dentro de si?
Os atores, da vida logo darão a resposta a Hemengarda. Todos vão buscar, ou mesmos tentar, ou mesmo ganhar o pão nosso que nem sempre está conosco, em suas mesas todo o dia.
E assim ao passar de 15 minutos, a estação de trem está apinhada de gente, isto é, pessoas e mais pessoas . Mal vestidos, alguns até se sobressaiam, mas todos não passavam de pessoas, com muita pressa, não havia comunicação entre si, parecendo mais um formigueiro, uma colmeia em ebulição.
Um longo apito corta os ares, cada vez mais se torna mais forte, mais forte, mais forte.
--------O trem esta chegando! o trem, o trem chegou murmuram todos.
Um senhor idoso vira-se para o jovem e diz:
--------O que verás agora será um grande espetáculo digno de imperadores romanos, senhores feudais, senhores absolutistas, e apesar desta fala o rapaz olhou para o senhor sem compreender suas palavras!
--------Meu Deus! gritam, murmuram, gesticulam, balbuciam, pareciam todos enlouquecidos, uma fúria não contida, o cotidiano realístico, que muitos fingem não existir.Que loucura!. não acredito no que vejo, no que é visto,no que se percebe ou mesmo não se compreende.
------- Animal, esmurram-se, batem-se e debatem-se uns contra os outros, todos procuram um lugarzinho no trem o mais depressa possível, para conseguir um lugar, talvez para sentar-se, pois a jornada de trabalho será longa e fatigosa para todos, talvez seja o único tempo que terão para sentar-se durante essa longa jornada.
Esmurram-se, acotovelam-se, gemem, gritam, evocam santos, o nome da igreja e do pai todo poderoso. É o desespero, é a angustia, a dor, mas é simplesmente a vida, uma vida sem tempo, apenas uma vida não compreendida.
Passados 5 minutos todos se ajeitam no recinto, de qualquer forma, pois o trem não comporta tantas pessoas, e estar por sua vez não podem esperar o próximo trem. Por isso procuram um lugar, e se não encontram dependuram-se nas janelas, no teto, no parapeito ou então pelo lado de fora entre um vagão e outro.
Dentre os passageiros encontra-se um jovem que observa os mínimos detalhes, todos os movimentos, todos os olhares, toda uma dor, todo um sofrimento, toda uma vida passada presente .
Olha um por um,tentando captar as mais diversas sensações, emoções percebendo os mais diversos olhares, e todos demonstram como a vida tem sido ingrata e maldosa com cada um daqueles personagens. Tudo isto é claro vendo aqueles olhares profundo e tristes , veja só o que a vida lhes tem reservado. Todos marcados pelo tempo, pela falta de dinheiro, pela falta de compreensão dos nossos políticos, pela falta de desrespeito , pela falta de amor e principalmente pela falta de alimentação e vestuário, ou seja de condições mínimas de sobrevivência com dignidade, sem crueldade.
-------Exclama o jovem! é o preço do capitalismo de um capitalismo selvagem, do individualismo do egoísmo, isto é vida, porque tem que ser assim?.
--------O comboio começa a mover-se, o trem vai saindo, a longa fila de vagões caminha cada vez mais apressada, as casas as pseudos casas pareciam correr fugindo do comboio em marcha.
--------Por um instante o silêncio é geral. Porem esta calma aparente é quebrada pelo andar majestoso do trem que vai galopando garbosamente em cima dos trilhos.
--------E assim o trem resfolegava, vencendo vertiginosamente as distâncias.
Nas curvas mais fechadas podia se ver nitidamente o compartimento onde se encontrava o maquinista.
-------Mas será que as pessoas que viajam de trem sabem que quem inventou a locomotiva foi o inglês "STEPHENSON", e quem construiu a primeira estrada de ferro no Brasil foi IRINEU EVANGELISTA DE SOUZA, "BARÃO E VISCONDE DE MAUÁ", títulos estes dados por D.Pedro II, pelos seus serviços prestados.
-------A poluição sonora começa a crescer, não só pelo barulho do trem como pelo murmurar das pessoas, e ao longo das conversas paralelas ouvimos:
-------Minduim torradinho!
-------Biscoito de polvilho doce e salgado, quem vai querer?.
E o barulho cresce.........., cresce............., cresce..........
-------Quejo fresco quem vai levar.................lenços quem vai levar.
-------E o barulho vai crescendo, crescendo.
-------Bilhete, quem vai levar, vai dar o veado, borboleta treze.
-------Psiu moleque vem cá! me da um saco de minduim.
-------Desculpe senhores incomodar sua viagem, mas estou desempregado, com filhos para criar, e sem comida para lhes dar, agradeço qualquer contribuição, da uma esmola para um pobre cego
-------Tabuada ABC, quem vai levar
Um grupo de jovens cantam " batem palmas.
-------Ouvem-se algumas palavras ''PRA JESUS"
-------Todos riem e as jovens se voltam e perguntam se estão cagadas............
Novamente o silêncio entre aspas volta a reinar. Só ouvimos ou fingimos ouvir o galopar do trem. E algumas pessoas descascando amendoim, outros comendo mixiricas, todos jogam os entulhos pelo chão, sem se preocupar com a sujeira, com a higiene e a preservação do trem.
As estações se sucediam, e era um tal de sobe e desce de gente, mais sobe do que desce.
Moleques passavam e repassavam de um vagão para outro, vendendo os mais diversos ´produtos, creme laranja, polvilho etc.
--------Ouve-se uma voz: não tem lugar, isto é como coração de mãe sempre cabe mais um.
--------E o trem prosseguia sua viagem,.............................................
--------Hemengarda vira-se para a companheira com exclamação!!!! Isto está parecendo a campanha do verde "Plante uma árvore", eram os recos subindo no vagão.
--------Meu Deus exclama Hemengarda eu não havia percebido.
--------Também é um bolo só.
--------Dá licença., e novamente pessoas passavam e repassavam vendendo suas mercadorias.
--------OH! meu não vê que não dá para passar
--------Tira o pé dai, você está me machucando.
A criança chora, pois não consegue respirar, a grávida desmaia, outro rouba " fui roubado", o alvoroço é geral.
--------Nunca mais tomo esse trem-----------diz a mulher a sua filha, e sabe que está mentindo pois amanhã e todos os dias terá que tomar o trem.
--------Todos vão a labuta. E o trem vai parando de estação em estação e as pessoas continuam descendo e subindo
La vai o operário enfrentar o capitalismo, a doméstica a fúria de sua patroa. Todos eles irão enfrentar a histeria os desaforos, as desfeitas e o desprezo que a vida lhe proporcionou....trabalham, labutam, se contorcem, para no fim do mês não terem quase o que comer.
Todos são piegas, tolos se conformam, com o que o destino lhes reservou, atribuindo essa situação a um Deus onipotente, para aliviar seus sofrimentos.
O pano desce, acabou o 1 ato .
Hemengarda sai da sala de espetáculo, para fumar e esticar suas canelas, e diminuir a sua tensão proposta pela peça.
Acende seu cigarro, traga-o profundamente soltando a fumaça lentamente, faz uma pausa e comenta........
--------Para onde vai a humanidade, quando sofrimento, quanta desgraça, porque será que eles não se revoltam, porque não gritam, porque não poêm para fora tudo o que sentem, onde estão os governantes que não fazem nada, que fingem não ver, porque tem que ser assim...............
--------Será que tem medo?
--------Mas de quem?
--------Da estrutura?
--------Da conjuntura?
--------Da gastrite?
--------Da vida?
Um som maravilhoso vem quebrar as indagações de Hemenegarda.
"COMO É DOCE MORRER NO MAR"
" O MAR QUANDO QUEBRA NA PRAIA É BONITO É BONITO"
Um sineta estridente detrói a beleza e a suavidade da música.
O 2 ato vai iniciar.
Silêncio na plateia
Os trabalhadores começam a se aglomerar na estação, pouco a pouco vão tomando todo o espaço livre que existe.
Todos cansados, abatidos, revoltados, mas calados, calados pelo o que a vida lhes prorpos.
O trem vai se aproximando, aproximando apitando como se fosse anunciar a chegada de jesus na terra
Todos ficam tensos , pensando se irão sentar.
O trem está quase parando e as pessoas vão se empurrando, uns se penduram no veiculo para poder garantir seu lugar
O desespero é geral
Os que vão descer, gritam, berram, esmurram-se se esmagam, pois sabem que só assim conseguirão descer, pois de outra maneira seria impossível.
--------Perdi meu sapato
--------Não empurra
--------Cala boca idiota!
--------Você quer moleza, por que não compra um trem só pra você
Os diálogos são francos e abertos, a tal ponto de colocarem para fora toda a repressão que sentem
Como explicam os psicólogos, isto seria uma terapia de grupo, ou grupo de sensibilização, onde todos põem para fora tudo o que sentem. Pobre não tem dinheiro para comer quanto mais pagar o"Dotor"
O trem continua seu curso normal de todos os dias, parando de estação em estação.
Sobe gente desce gente
Por incrível que pareça tem pessoas que não descem , são atiradas para fora, outras nem chegam a tocar o chão, são levadas para fora através da pressão, corpo a corpo
No curso do trem, existe uma estação na qual o espetáculo é digno de um imperador, onde os imperadores se deliciavam em ver atirar os cristão na arena deixando que fossem devorados pelos leões.
Só que este espetáculo não será apreciado por Nero, Otávio, mas sim pelo mundo que esta contemplando o gladiar das pessoas, dentro do sistema, onde existe um circulo vicioso, pois todo dia " ela faz tudo sempre igual me sacode as 6 horas da manhã"
O trem para, todos descem, correndo de todos os lados e para todos os lados. ´E o estouro da boiada,
--------Como correm!! Hemenrgarda novamente quebra o silêncio da sala
--------Mas porque isso?
--------Eu não entendo
--------Eles não chegaram
--------Para onde vão com tanta pressa
Neste galopar constante avista-se pequenos ambulantes, vendendo seus produtos que se apavoram .
Todos correm para o aconchego do lar o do pressuposto lar, lar entre aspas
A próxima condução será ônibus, qual surpresa! ônibus tem televisão
Nesse dia chovia, o ônibus estava imundo cheio de água, as pessoas molhadas e a tv ligada.
--------Que espetáculo deprimente exclama Hemengarda
--------Que preço do subdesenvolvimento, do capitalismo selvagem dos nos governantes
--------E ainda dizem que o progresso está a 100 por hora
--------Que vida!
--------E assim o show da vida termina, pois amanhã será uma nova jornada.
Pouco a pouco as luzes vão se apagando. A noite caíra de todo.
Com as trevas, sem lua sem estrelas
O pano desce, o espetáculo acabou
--------Hemengarda se levanta e diz
--------Que merda de vida!!!!!!!!!!!!!!!!!
Este é apenas um relato vivido e vivenciado por mim no início de minha carreira no magistério, onde era obrigado a tomar um trem chamado "ferro" pelos usuários rumo ao meu trabalho, com grande dificuldade, mas um aprendizado em minha vida, Apenas coloquei algo escrito por mim na minha juventude, sem mudar absolutamente nada. APENAS UMA VIDA VIVIDA NUNCA MAIS ESQUECIDA, NUM TEMPO QUE NUNCA SE APAGARA NA MINHA MENTE..
assinado: LC
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